Verônica Holanda

No meio da Floresta Amazônica, um fã de Elvis Presley caminha de igual para igual com os povos indígenas, com um porém: de batina. Tal cena, por mais incomum que possa parecer, é muito real e compõe o cotidiano de Dom Erwin Kräutler,  bispo emérito da prelazia do Xingu, no estado do Pará. Nascido em 12 de julho de 1939 em Koblach, município do distrito de Feldkirch, Vorarlberga, na Áustria, o religioso é conhecido e admirado por sua luta contra a construção de Belo Monte e pela defesa dos direitos de indígenas, ribeirinhos, dos mais pobres e dos mais frágeis e dos extrativistas da Amazônia.

Logo nas primeiras impressões, se nota que o bispo emérito preza pela simplicidade. Ele dispensa qualquer pronome de tratamento formal, preferindo ser referido apenas como “senhor”. Segundo seus antigos colegas de trabalho e velhos amigos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ele é bem-humorado e cheio de ânimo. Se trata de um homem alegre, de grande humildade, atencioso e paciente. “É inacreditável a simplicidade do Dom Erwin. É uma surpresa. Ser tão simples parece impossível”, afirma Francisco Eduardo, que trabalha no Cimi há 22 anos.

Há, no entanto, quem não goste das ações de Dom Erwin. É o caso de madeireiros, latifundiários, mineradoras e outros poderosos que se interessam pelas terras indígenas. As ameaças são constantes, e em 1987 um acidente de carro suspeito quase lhe tirou a vida. Durante uma viagem para um acampamento de colonos em Brasil Novo, uma caminhonete atingiu o veículo onde estava com os padres Salvatore Deiana e Mateus Antonello e Sônia Aparecida Feiteiro, naquele tempo secretária da Comissão Pastoral da Terra. O padre Salvatore não resistiu. Desde então, é acompanhado por dois policiais militares do Pará que, a seu pedido, não andam fardados.

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Fotos de arquivo pessoal de Dom Erwin Kräutler

Apaixonado pelo Brasil e pelo Xingu, se diz “um brasileiro nascido na Áustria”, e após mais de 50 anos falando português seu sotaque original é quase imperceptível. Ao contrário do que muitos acreditam, ele diz não ser co-autor da encíclica Laudato Si, escrita pelo Papa Francisco em 2015 sobre o meio ambiente e desenvolvimento sustentável, e afirma que apenas contribuiu com alguns tópicos que mencionam a Amazônia.

Mesmo se dedicando à religião em tempo integral, Dom Erwin se mostra muito interessado em assuntos mais terrenos. Muitos se surpreendem quando o bispo, fã de rock clássico, saca o violão e dedilha alguns versos de canções conhecidas de Elvis Presley. Depois da surpresa, a musicalidade faz sucesso nos círculos de amigos.

Apesar do local de trabalho, o bispo não é difícil de ser contactado. Apegado ao seu Macintosh, linha de computadores pessoais da Apple fabricados e comercializados desde 1984, costuma responder rapidamente as mensagens que recebe por e-mail. Atento ao telefone celular, Dom Erwin arrisca até a comunicação via WhatsApp. Tem uma excelente memória para datas, pessoas e eventos, sendo assim um ótimo entrevistado. Não poupa elogios sinceros quando vê oportunidades, mas também não se intimida em criticar aquilo que acredita necessário.

“Todos defendemos nossa vida, e ser ameaçado e correr risco não é uma coisa agradável de se lidar. Mas eu sempre estive convicto de que esse caminho é meu, que tenho que continuar nele, apesar de todas as ameaças e intimidações que recebi”, explica Dom Erwin. A sua fé em Deus e nas pessoas que lutam por uma causa nobre o mantiveram firme em luta. Ele acredita que, apesar de sua liberdade exterior poder ser tirada, a interior estará sempre com ele e com Deus. Portanto continuará dizendo o que pensa e defendendo as causas que acha necessário defender. Assim, o bispo segue cantarolando as canções de Elvis lado a lado com os povos indígenas, mostrando que, apesar das diferenças, é simples transformar o “eu” eu “nós”.